17.5.13

Aborto

Quem eu sou?
Eu sou o criador, ora !
É de minhas mãos que o feto se espalha pelo papel branco.
E nem vem com esse papo moralista de que anticoncepcionais não funcionam.
Sou o profeta do reino que já morreu.
Das ruínas antigas que se comem em meio ao cheiro de óleo queimado.
Do pavilhão daquela usina velha, em que costumávamos criar mundos inteiros.
Sou a lembrança que foi ejaculada nos ouvidos das velhas senhoras que fazem tricô em frente a seus portões de plásticos
Trancados.
Dos seus medos pagãos, das suas vontades incestuosas e de seus corpos dessalgados no meio da tarde.
Sou o quarto escuro que prende a mulher e seus dois filhos.
Sou os dois filhos que a prendem no escuro.
Na teia viscosa de seus desejos imundos.
Em mundos que os matam.
E vomitam sêmen em suas feridas.
Sou o menino que empina seu zepelim todo final de tarde.
Sou o mensageiro do novo-velho testamento, do corpo que é jogado pela minha janela.
Dos corvos que rancam meus olhos e os regurgitam em seus calcanhares.
Eu não sou nada!
Não sou criador de nada.
Se eles já existem e usam de meus tecidos ovarianos para serem expostos, sou eu que precedo deles e não eles que precedem de mim.
Sou apenas carne que eles usam.
Vadia que eles comem.
Sou tecido morto que esses vermes apodrecem.
Quando dizem que eu sou criador.
Sou aborto univitelino.
Sou morte.
Carne morta em desejo vivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo-me