desritmia

todo tanto é pouco
todo cuidado é mútuo
a espera muda
o acaso de lado
o lapso nunca
entrega o ato
tudo pouco é falta
toda falha é tanta
e o peito podre
morde o dente
e sangra
todo homem é livre
e a outra parte
nem tanto
toda cortina é de fumaça
e o outro lado
de pano
toda dor não passa
a travessia cobra
fica de um lado
o pra sempre
e do outro
o agora

anestesia

de onde você vem?
me diz
o que eu preciso fazer
pra voltar pra casa?
todo esse tempo 

que eu estive fora

de mim
onde você esteve?
eu não te vi
eu não voltei pra me buscar
eu perdi a hora
ora, o que eu não perdi
no fim das contas?
quem paga
o gosto ruim da cerveja
é o esforço que se faz
por uma boa conversa
no fim das pontas
quem apaga
a tinta que desbota
é a cor que fica
quando a gente fecha os olhos
por alguns minutos
e tudo parece tão claro
não o suficiente
pra que não haja
espaço 
que cubra inteiro
o teu corpo 
morada do tempo
que tem pressa 
de encontrar
o amor
e se perde 
onde você acha
tanta coragem
dentro do peito
que não dói
mesmo quando machuca

ressureição

o amor é lama

é lama

e faz do meu corpo         

que é teu corpo

banho, mesa e cama

o amor é bicho

é isso!

barragem, cacimba e lajedo

e mata o sentido

todinho

que faz da palavra

segredo

o amor não dá volta

arrodeio

e cobra o espaço

do abraço

que é nó e laço

pentelho

o amor pra ser bonito

por isso

cobra imposto

e tributo

absurdo!

e faz do homem

que é besta

achar que é gente

e trocar tiro

com o mundo

o amor é sentença

dá pena

desbota os dentes

dá roedeira no estômago

fome da gota serena

o amor é osso!

tripa e sangue

filho bastardo

coitado!

primo de carne

por parte

de pai e de mãe

distante

não se cria

de perto

é visagem

o amor não tem pé

nem cabeça

tem coxa e sobrecoxa

é pra levar

ou comer aqui?

sem sinal

as pessoas lá fora

parecem borrões distorcidos

não é?

às vezes

parece que não há mais espaço

pra mim

nem pra você

quem encolheu?

que nós ficaríamos aqui

até você voltar

as pessoas aqui dentro

se parecem muito com você

mas ninguém parece

muito interessado

em notar

que você foi embora

não foi?

oferta

o amor
não tem pé
nem cabeça
tem coxa
e sobrecoxa
é pra levar
ou comer aqui?

Doze

No início haviam as cinzas.
Mas os primeiros homens as comiam.
Pois nos primeiros homens havia a fome.
E então seus corpos foram criados, para que eles pudessem ter fome e nunca mais comer.
O sol, a noite e os filtros do Instagram vieram depois.
Já que antes de qualquer outra coisa, você não pode esquecer, as cinzas vieram primeiro.
Tudo que vem depois é mentira.
Só que as cinzas, como não são homens, sumiram.
Naturalmente.
E aí os primeiros homens se deram conta.
Finalmente.
Que estavam sozinhos.
Então Deus criou a morte.
E os inventou.
Um por um.

Outra

Corpo.
Graúdo.
Nem tanto.
Insinua alguma coisa?
Qualquer coisa.
Na parede.
No chão.
Dá voltas.
Ao redor da pedra.
No osso.
Risca o giz.
Faz cera.
Não chuta.
Mas pisa.
Não fode.
De volta.
Nem se quer sabe.
Porque veio.
Ou porque não foi.
Quem sabe um dia.
Se despeça.
Do peso.
Que é ter que ficar o tempo inteiro.
Sendo corpo.
Sem ser.
Graúdo.