Quando o Zepelim atravessa a noite, as janelas e as nuvens se abrem.
Meus olhos também.
Na noite passada, quase manhã, percebi suas luzes cortando as frestas do telhado.
Inquietei-me sobre os lençóis, cobri os ouvidos, mas meus sentidos jaziam acordados.
Meus irmãos diziam-me que só os loucos podiam o vê.
Contentei-me com isso e voltei a dormir.
Acordei assustado. Minha vitrola vibrava em todo vigor Guymas Sonora, virei e a cobri.
Voltei a acordar, e vi imagens destorcendo com o sol.
Jornais, cachorros e carrinhos de bebê sobrevoavam sob minha cabeça, como sempre faziam às sextas-feiras.
A banda em bandos já se aproximava.
As crianças coçavam os seus olhos da testa, e os arregalavam bem.
Seus olhos atentos à música.
Seus ouvidos ao Zepelim, que em breve passaria.
“Essa noite, quase manhã, as suas luzes estarão mais acessas, de certo o filmarei” Dizia o senhor eufórico de jaqueta marrom.
“Você não?” Me perguntava.
Não o respondi.
À noite, quase manhã, chegou e o Zepelim também.
Desfiei os olhos e soltei a corda que me prendia a cama.
Postei-me sob a janela. E finalmente o vi.
O garoto corria e ria.
Seus olhos fixos. Suas mãos ensanguentadas, mas firmes, corriam com ele, ora pra trás, ora pra frente, seus movimentos acompanhavam o bolero agressivo que exalava dos homens que, atentos, seguiam o imenso dirigível com os seus semblantes maravilhados.
O garoto quase não os via, pareciam que eles também não.
Seus olhos continuavam fixos ao zepelim e suas mãos presas à corda.
Naquela noite, quase manhã, percebi porque meus irmãos diziam-me aquilo.
“Só os loucos podem vê-lo.” Repeti pra mim mesmo.
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